sábado, 4 de maio de 2013

Uma tarde



Era uma tarde como outra qualquer, dessas típicas da terra da garoa dos tempos de aquecimento global, sem garoa, mas cinza como chumbo e tão pesada quanto, para as almas de quem passava por aquelas ruas frias. A mim parecia indiferente, desconfio que para a maioria, já estamos mais que adaptados à indiferença, condicionados por ela, dependentes dela, não seria possível sobreviver em uma cidade como essa sem a boa e velha indiferença. Não se trata de desdém ou repulsa, simplesmente não importa...
Não tenho tempo para me importar, tantas coisas mais úteis a fazer... Segui meu caminho apressada; apressada para que mesmo? Não importa... Nada pior no caminho de um paulistano autêntico do que algo estar em seu caminho, nesse dia algo atravessou o meu.
Por sorte não caminhava no momento, mas precisei parar o curso dos meus pensamentos, para sempre.
Aquela mãozinha tão delicada nunca mais saiu da minha mente!
Alguns breves minutos, um percurso entre as estações Santa Cecília e Barra Funda. De onde eu estava, mal podia ver a cabecinha, meio caída sob o peso de entorpecentes e memórias terríveis. Só aqueles dedinhos dedilhando o ar, como tentando tocar algo diáfano e fascinante que flutuava a sua frente e acenava para outros lugares, como num breve momento na Pasárgada dos esquecidos. Aqueles dedinhos encenavam uma dança triste e sombria e me fizeram acompanhá-los.
Mas não estive em Pasárgada, antes vi o pesadelo de uma vida sem sonhos, de uma noite sem fim, tendo apenas o cinza das tardes frias de São Paulo como alento. Então a outra mão me fez entender porque trilhamos caminhos tão diferentes no mesmo espetáculo, ela carregava o sonho flutuante e diáfano em um saquinho plástico.
Meus olhos permaneceram colados àquelas mãos e reconstituem diariamente aquele estranho balé da mãozinha suja das muitas noites nas ruas, dos muitos corres para sobreviver; negras da cor de seus ancestrais que lhe foram tirados, da minha cor, da cor de tantos iguais a ele, iguais a mim, da cor de tantos que virão substituí-lo naquela dança macabra pelo esquecimento.
A indiferença não era mais uma possibilidade para mim.