domingo, 25 de novembro de 2012

I love my hair



Depois doAlisando nossos cabelos”, Bel Hooks não deixou muito mais para falarmos sobre esse tema. Mas como percebo que se trata de uma questão extremamente delicada para as mulheres negras, decidi dedicar esse espaço para nossos cabelos...
Na verdade falar sobre nossos cabelos, como quase todos os temas relacionados ao povo negro, envolve entender nossa história e fugir do engodo da suposta liberdade de escolha que insistem em nos vender a preços altíssimos. O lugar do negro na construção da cultura nacional sempre foi um lugar subalterno, seus saberes, sua arte, sua história, sua beleza passaram por diversos processos de desvalorização e apropriações por parte da dominação branca. Nossos ancestrais africanos nos foram descritos como selvagens sem alma e comparados a primatas horrendos.
Durante séculos essa foi a nossa descrição e estar sob domínio dos branco, “receber” sua arte, sua fé, seus saberes, sua beleza foi um privilágio para um povo ainda tão primitivo. Essa é apenas uma parte da grande mentira que nos fizeram acreditar e que, de alguma forma, reproduzimos até hoje. Uma das maneiras que demonstramos nossa gratidão ao povo branco por nos tirar das profundezas da selvageria africana é nossa obstinação em nos tornarmos brancos, ao propagarmos sua fé em detrimentos das nossas, ao valorizarmos sua arte, difundir seus saberes e sua versão da nossa história que nos coloca como descentes de escravos indolentes e estúpidos.
Mas nós assinamos definitivamente o aval para nosso extermínio e exploração quando tentamos “passar despercebidos”, tentando disfarçar os traços fenotípicos que ainda nos lembram essa descendência maldita que execramos e tentamos esquecer a cada dia. A cada mecha estranha aloirada e lisa com que cobrimos os fios lanosos e macios que tentam se desprender, tentam mostrar-se belos, gentis ao olhar e ao toque, o contrário de tudo o que dizem dele: ruim, duro, feio... A cada encontro doloroso com o cabeleireiro que nos faz o enorme favor de esconder nossas raízes, as temidas raízes que queremos e devemos esconder; as raízes, negras raízes que nos condenam a nos reconhecer nos relatos terríveis que ouvimos desde criança ou a olhar para África e buscar nossa história, a verdadeira história que nos foi negada. 
Debaixo daquela profusão do desconhecido e sufocados por nossas tentativas constantes de envenená-los... Eles resistem e tentam se explicar, se redimir, nos mostrar a força e a representatividade do black agressivo e indócil, que moldou tantas mentes guerreiras e vitoriosas; os dreadlocks cheios da mística ancestral de nossos irmãos, as tranças que ornamentaram, e ainda ornamentam, cabeças imperiais e imperiosas de reis e rainhas negras certas de sua beleza e de seu povo. E nossos cabelos não representam apenas nossa beleza, eles são um símbolo, um estandarte de nossa força, de nossa coragem para sobreviver. Somos duros na queda e ruins de vencer. Os constantes ataques contra eles representam o temor do opressor de que os oprimidos se levantem, no fundo cada comentário sobre nossos cabelos e nossa beleza carrega o reconhecimento de nossa força e coragem, nossa capacidade infinita de sobreviver e lutar.
Deixemos nossas raízes à mostra, ostentemos nossa beleza afro, não exótica, não diferente, bela, simplesmente bela. Façamos com que eles se percebam diferentes. Somos a maioria, nossa beleza é o padrão, somos homens e mulheres de verdade que merecem ter cabelos de verdade e não mais sonhar com as longas madeichas das bonecas brancas que nos fizeram idolatrar até o ponto de comprarmos cabelos como os dela e sonharmos que são nossos. Até nos envenenarmos com produtos tóxicos e cancerígenos para nos reconhecer nas musas da mídia, musas virtuais que só existem nas telas dos computadores e nos sonhos de homens e mulheres que não conseguem mais se amar e se reconhecer belos e dignos de admiração e desejo tal como são. Não aceitemos mais viver sob o terror de sermos descobertos, que reconheçam nossas raízes, joguemos na cara de todos que se queiram do outro lado da trincheira, façamos todos engolirem nosso orgulho e nossa consciência negra.

http://blogagemcoletivamulhernegra.wordpress.com 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Consciência de ser negro!!!



Nesse dia da Consciência negra sou feliz por ser tão consciente da minha negritude! E que orgulho! Que honra fazer parte desse povo tão lindo, guerreiro e forte. Só lamento que tantas pessoas ainda se deixem levar pelo discurso da defesa da igualdade de forma tão esvaziada política e ideologicamente. Sem pensar no real significado de sermos iguais, sem sair da mesquinharia da generosidade cristã mal interpretada e mal pregada que vemos por aí. Quando lutamos contra o racismo, afirmamos e reafirmamos as opressões contra o povo negro não estamos nos vitimizando. Os povos africanos não declararam guerra aos brancos, não houve disputa de território, houve apropriação e exploração de um continente inteiro, que foi devastado de todas as formas que um território e seu povo podem ser.Vítima? Chamem do que quiser, eu chamo de covardia!
Pensando em contextos de guerra e disputas de poder devemos nos perguntar,  por exemplo, porque o massacre dos negros no continente africano e na diáspora nunca é reconhecido e o holocausto sim? Porque a sanha de poder dos brancos sempre tem recompensas e retratações, quando atingem povos brancos enquanto os negros permanecem sem o reconhecimento nem mesmo do erro, da barbárie e da brutalidade de que foram e ainda são vítimas??
Nunca recebemos retratação pelos anos de escravidão, até porque os brancos nem mesmo se reconhecem como responsáveis por ela; não recebemos retratação pelos regimes de apartheid racial nos EUA e na África do Sul; não recebemos retratação pelos séculos que fomos considerados, cientificamente, animais ou seres humanos inferiores, não recebemos anistia de nossos heróis de guerra – Mumia Abu-Jamal continua preso, pagando o preço por não se render. Ao contrário, tivemos que nos retratar quando lutamos por nossa liberdade no Haiti, tivemos que nos retratar quando formamos quilombos e focos de resistência ao regime escravocrata, tivemos que entregar as riquezas do Continente africano, e temos que baixar nossas cabeças sob o jugo da polícia, dos seguranças e das patrulhas brancas higienistas que nos massacram diariamente, única e exclusivamente pela cor de nossa pele.
Dia da Consciência negra não é um dia em que lutamos para sermos reconhecidos como negros, mas o dia em que lutamos para que cada negro tenha orgulho do que é e consciência de que ser negro é ser um povo, é sofrer e sangrar com cada um de nossos ancestrais e irmãos que sofrem e sangram sob o peso da chibata e dos grilhões do racismo, da humilhação, do preconceito e da ignorância.
No Dia da Consciência Negra queremos lutar pelo direito de sermos seres humanos inteligentes, sensíveis, criativos, guerreiros, fortes e dignos, tudo que nos foi negado ao longo dessa história de mentiras e ilusões que nos contaram.
No Dia da Consciência Negra lutamos para que o mito da democracia racial, tão atraente e convidativo, deixe de ser um mito e se torne a realidade, não apenas de nosso país, mas de todo o mundo. Porém entendemos que lutar por igualdade não significa fingir que a discriminação, o preconceito e todas as suas consequências nefastas não existem. Ao contrário, para lutar contra o racismo precisamos mostrá-lo, precisamos enxergar sua face mais assustadora e hedionda. Só assim teremos um inimigo concreto a combater, dentro de cada um de nós, pois somos todos formados para sermos racistas, machistas e homofóbicos, e também na realidade social por meio da luta por políticas públicas que combatam de forma exemplar qualquer manifestação de preconceito. 
Só assim será possível pensarmos em humanidade e igualdade em seu conceito mais amplo.

domingo, 11 de novembro de 2012

A Lei 10639 e o Tribunal do Santo Ofício da nova Era



Mais uma polêmica envolve o povo negro e sua conquista de direitos... O ensino da cultura afrobrasileira nas escolas!
As fileiras evangélicas já se levantaram contra o acesso de seus filhos aos deuses e cultos africanos malignos e do mal, como gostam de considerar. A reação dos alunos da escola Escola Estadual Senador João Bosco de Ramos Lima, de Manaus (AM) contrária à tarefa de fazer um trabalho sobre a cultura africana é um sinal de que tempos turbulentos virão e precisamos ficar atentos e prontos a responder à atitudes como esta, que já são frequentes.
Acho muito importante esse tipo de conflito, dentre outras coisas, por mostrar que o povo brasileiro está, realmente, sendo obrigado a lidar com seu racismo que esteve por tanto tempo escondidinho na gaveta, assim como o povo negro. Sim, o que legitimou por tanto tempo o mito da democracia racial foi a inexistência do povo negro no Brasil. Nos mantínhamos em nossos guetos, escondidos e acuados, não nos metíamos em espaços que não nos pertenciam e não questionávamos a ordem “natural” das coisas.
 Tudo estava perfeito até que resolvemos existir! E então começam os discursos dos defensores da igualdade e dos direitos humanos: os negros criam o racismo com leis de segregação de brancos, como as cotas, e imposição de sua cultura sobre a cultura “dos outros”.
Os mesmos defensores que assistem o genocídio da população negra na TV e não dizem nada, que vivem em universidades absolutamente brancas e dizem que “quem quer consegue”, pois “vivemos em um país livre de oportunidades iguais para todos”. As oportunidades não nos foram dadas, então nós resolvemos entrar e pegar. Precisamos de instrumentos legais para sermos respeitados e conhecermos nossa história para além dos escravos indolentes e preguiçosos que nos mostravam os livros de história.
A lei 10639 foi uma das maiores e mais importantes conquistas do movimento negro no que se refere à reconstrução da auto-estima do povo negro, ao reconhecimento de nossa ancestralidade, à superação dos estigmas que marcam a África e tudo que se refere a ela. A obrigatoriedade do ensino da cultura afro levou à necessidade de descobrir a história de África e de nossos ancestrais, não mais com as simplificações convenientes que embasaram o discurso racista desde o século XV, mas agora entremeada por um pedido de desculpa e uma retratação por todas as mentiras que nos fizeram acreditar todos esses anos. Esse é o primeiro desconforto que gerou a reação branca conservadora. Contar essa versão da história significa dizer que a sua era uma mentira que mascarou um processo de extermínio de um continente inteiro e de seu povo na diáspora.
A segunda grande polêmica é a religiosidade, afinal o povo negro não tem cultura e sim cultos satânicos e selvagens. É isso que afirmam ao se colocarem contrários ao ensino da mitologia africana nas escolas para alunos cristãos, os mesmos alunos cristãos que estudam a mitologia greco-romana, cheias de incestos, vinganças, com deuses mesquinhos e cruéis que desprezavam a humanidade. Estudam também a mitologia cristã quando quando falam sobre a Idade Média, as Cruzadas ou a própria importância histórica e geopolítica da passagem de Cristo pela Terra... Enfim, porque a mitologia branca é aceitável e não vai contaminar os coraçõezinhos cristãos desses jovens e a mitologia africana sim???
Insisto em chamar todos esses cultos de mitologias, pois no interior dos muros da escola é assim que devem entrar, não como ensino religioso, mas sim como ensino da cultura da humanidade, conhecimento do pensamento humano, promoção da diversidade cultural e filosófica. Levar isso como filosofia de vida é uma escolha de cada um, que não deveria intervir na sua formação acadêmica, na expansão de suas visões de mundo.
Além disso nunca houve imparcialidade por parte da escola quanto à religiosidade. Diversos materiais didáticos fazem alusão ao cristianismo em seus conteúdos – algo inconcebível em um Estado que se pretende laico. Todos sabemos a dificuldade de alcançar a imparcialidade em qualquer tema, porém é preciso mudarmos nossa postura quanto ao terror que temos do conhecimento, resultado do processo imbecilizante imposto por nossa formação cristã, que proíbe conhecer para não questionar e nos deixa ilhados em um mundo que naturalizou a violência contra e o extermínio de qualquer povo, culto, crença, filosofia, fenótipo fora dos padrões da dominação. 
Como já disse anteriormente a Lei 10639 foi uma grande conquista e não vamos abrir mão dela. Será preciso mais que um index pessoal e um Tribunal do Santo Ofício de pais e alunos rebeldes para parar a luta de um povo que vem sendo espoliado há mais de 500 anos.