quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Mais um dia, sim mais um dia...
Levantar e se lembrar de respirar...
Porque mesmo?
Já não se lembra...
Não, ela se lembra sim...
É difícil, mas ela ainda se lembra...
É preciso continuar...
O trabalho, os sonhos e o desejo...
De mudar o mundo... Fazer a diferença!
Sim, ela ainda não fez a diferença!
Agora se enfeita e escolhe o melhor sorriso para mais um pouco de morte.
Observa os pequenos filetes vermelhos que surgem em seus lábios, tingindo-os como o Atlântico o foi com o sangue de seu povo.
Ela também sangrava todas as manhãs, toda a sua vida, para garantir sua liberdade encarcerada.
E a superfície calma e parada de seus caudalosos lábios seria apenas tocada levemente de tempos em tempos por seu sorriso sarcástico e frio, que agora treina diante do espelho para não deixar dúvida sobre a dureza da alma escondida por trás daquela superfície rosada e negra, agora completamente rubra.
Nenhuma agitação transporá aquelas margens ou será levada pelo impetuoso rio de sangue que a inunda todas as manhãs na ilusão de que assim está livre.
E a onda incandescente causada pelo turbilhão de sentimentos, contra os quais briga diariamente, ressurge e tenta arrastá-la por caminhos desconhecidos onde o perigo e a dor são quase certos, ela se arma (d)os cabelos lanosos, agressivos e rebeldes...
Como era mesmo que sempre chamaram?
Aquela forma sempre hostil e assustadora que a fez chorar em silêncio todos os dias depois da escola? Antes e depois das festinhas? Ao longo das paixonites juvenis sufocadas pela certeza de jamais ser boa o bastante para o príncipe loiro de seus sonhos alvos e tenebrosos?
Ruins! Eram ruins! Seus cabelos sempre foram ruins!
E tanta maldade hoje se tornou seu maior escudo.
Sim seus cabelos são ruins, maldosos, quase malignos!
Sua grande fraqueza e causa de suas maiores angústias na juventude, surgem diariamente como uma torre imponente e altiva que orna seu rosto negro, endurecido e sedutor. 
Um aparato real de uma cabeça que luta ferozmente para dominar por completo os ímpetos do corpo. Que tenta obstinadamente subjugar o coração sedento de emoções e dor, devastado por suas paixões, mas ainda resistente, ainda aproveitando qualquer momento de deslumbre, de fascínio ou de tristeza para provocar uma onda, pequena, inicialmente, mas que se intensificará com facilidade ao juntar-se a outros sentimentos banidos e assim agitar aquele sangue amornado pela razão, quase resfriado por completo por um sofrimento maior do que ela, incontrolável e ancestral.
Mas ela ainda acredita que suas máscaras são suficientemente poderosas para garantir o império de sua vontade. Seu belo rosto é mantido a uma distância segura do coração e reflete o desejo de observar e controlar suas ações. Mantendo-os separados por voltas e voltas de correntes e adereços cujo brilho ofusca qualquer aproximação inesperada.
O próximo passo no processo diário de afastamento das fraquezas humanas é amortalhar seus olhos.
Os traços negros aprofundam seu olhar, o torna cortante e lascivo; supera o negrume de sua pele reluzente, ou antes, se junta a ele, o completa.
Seu olhar enlutado pela moldura artificial completará o quadro de sua batalha pessoal pelo isolamento, fará o serviço de manter o distanciamento necessário, de proteger e disfarçar a angústia por trás deles.
O negro será sempre seu mais poderoso escudo, sua arma mais eficaz, embora também sua mais revoltante fraqueza, quando a pele não for suficiente, ali estão os olhos e, novamente, os terríveis e irresistíveis cabelos.
A tormenta interna é novamente vencida antes que a tempestade possa desabá-la. Agora ela pode treinar novamente sua indiferença e reforçar a postura segura e desinteressada, com a certeza infantil e vã de que nada poderá abalar os alicerces de mentiras e batons sobre os quais cultua a sua dor.

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