quinta-feira, 12 de maio de 2011

O aborto das outras


Aborto é um tema que tenho evitado muito, mas volta e meia surgem argumentos tão assustadores que preciso me manifestar. Dessa vez foi a charge acima, feita por um amigo, João da Silva do Coletivo Miséria, que gerou uma discussão loooooonga e eu, como sempre, me empolguei na argumentação. Enfim taí...

O argumento de que devemos investir em políticas públicas para a formação das mulheres de modo que elas possam “escolher ficar grávidas ou não” é o mesmo absurdo egoísta que usam para negar políticas de ações afirmativas como as cotas. Dizemos às mulheres que estão grávidas contra sua vontade, assim como aos jovens negros e pobres que acabam na criminalidade: “aguardem que, talvez, netos ou bisnetos não precisarão passar por isso”. Será que isso é justo? Será que é o melhro que podemos exigir para amenizar os efeitos nocivos desse sistema cruel que só criou desigualdade e injustiça social?

Mas devemos perguntar o que acontece quando um homem engravida uma mulher “acidentalmente”? A maioria não tem nem mesmo a atitude hipócrita do personagem do João, a maioria “pula fora” totalmente, quantas vezes não ouvimos de um homem, quando perguntado se tem filhos: “Não que eu saiba (risos)”. Porque toda a responsabilidade sobre a reprodução e toda a carga ideológica acrescentada pelo cristianismo e por séculos de machismo devem pesar apenas sobre os ombros das Evas? Até quando continuaremos pagando pelo pecado original? Porque não é permitido também às mulheres “pular fora”?

Ninguém nem mesmo pensa em dar uma resposta a esse tipo de questão, afinal ser mãe é uma bênção divina que deve ser aceita como tal, não como um fardo, ser pai… bem… ser pai é outra história. Somos “pela vida”, eles dizem, e eu sempre me pergunto: pela vida de quem? Quando usamos esse argumento diante dos números assustadores de mulheres que morrem todos os dias em decorrência de complicações ao fazer abortos clandestinos ou quando bons cristãos se negam a atendê-las nos hospitais após fazê-los em casa, estamos agindo como o deputado de Caetano Veloso e Gilberto Gil vendo tanto espírito no feto e nenhum na mulher desesperada e abandonada que não aguentou o peso de ser responsável pelo milagre da vida de outro, vida que gerou sozinha, aparentemente.

Prova do machismo inerente aos argumentos contra a legalização do aborto é o fato de nunca em momento algum ter surgido a possibilidade de discutir a punição também dos genitores, aos “pais”. Então... porque não punir também o genitor que abandonou a mulher à própria sorte? Que tal as mulheres envolvidas na luta pró criminalização do aborto fazerem essa proposta aos homens que compartilham dessa opinião?

Não podemos continuar nos acusando e apontando, sem refletir. Queremos lutar pela vida dos futuros bebês? Então lutemos para que medidas políticas sérias sejam tomadas para evitar a necessidade de fazer abortos, mas sem intereferirmos no direito sagrado de decidir, opinar e escolher. Lembrando as palavras de Chico Buarque de Holanda – que já deveriam configurar um anacronismo no nosso contexto histórico, mas, infelizmente, está cada vez mais atual – talvez a vida não seja um fato consumado, porque não podemos inventar nossos próprios pecados e morrer do nosso próprio veneno? Até quando nos orientaremos pelo juízo dos outros? Percamos a cabeça, para podermos refazê-la a partir de nossos próprios valores.

2 comentários:

  1. Ser contra o aborto não é ser machista não. Isso é um simplismo barato e que foge da real questão abordada - ou seria abortada? Não é a primeira vez que escuto isso.

    Mulheres têm escolha também antes de engravidar. Antes de fazer sexo. São poucos os que pensam que bebês caem de cegonhas. A maioria sabe como nasceu. Então por que essa vitimização constante das mulheres? Elas não são ingênuas, muito menos os homens que compactuam com o aborto. Negligência ao filho e à mãe também é crime. Abandonar mulher e filho é e sempre foi errado, sendo crime ou não.

    Todos temos direito sagrado de decidir. E a escolha não acontece só depois do vai-e-vem. A escolha acontece a cada instante. Tanto o homem quanto a mulher são responsáveis.

    Uma política séria seria a constante conscientização sobre os métodos contraceptivos e a distribuição gratuita dos mesmos à população, o que vejo acontecer em diversos lugares.

    Agora nem todo mundo é coitado. Por mais que haja conscientização, sempre vai ter gente matando, por escolha própria.

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  2. Não sei se não me fiz entender, mas em momento algum busco vitimizar as mulheres, mas sempre que o tema é opressão, o discurso é levado para esse lado. Não somos vítimas, aqui tento falar sobre luta por direitos que nos são negados. Machista, sim, vc diz que é crime abandonar a mulher grávida, não, não é! Nçao existe punição alguma para o homem que abandona um mulher/moça/menina grávida.
    Porém as mulheres tem escolha, sim a escolha mais inteligente, não transar!! claro nossa sexualidade nunca foi respeitada, mas os homens tem outras possibilidades, negar, dizer que não sabia, que foi um assidente e enqto a mulher está presa por tentar decidir sobre seu próprio corpo, ele está nas ruas levando mais e mais mulheres a exercer seu "direito" de decidir não transar com ele...

    Se isso não é machismo, então eu desconheço o significado do termo.

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