quarta-feira, 3 de março de 2010

Estilo cachorra?!


Não é novidade o fato de que a Música Popular Brasileira, não é tão popular assim. Seus maiores nomes são, em sua maioria, representantes das classes dominantes, meninos bem formados e bem criados curtidos no caldo cultural da Europa e das ânsias de independência cultural com a qual nós, como bons colonizados que somos, sempre sonhamos, mas que nunca conseguimos alcançar por completo por não conseguirmos nos livrar da ditadura da estética ocidental branca, classe média, cristã européia.
Ao longo dos anos de luta por essa independência, por finalmente criar a cara do Brasil, da sua arte, cultura, história que são tantas e não é nenhuma ao mesmo tempo, assim como seu povo que não é preto, não é branco, não é rico não é pobre, somos todos brasileiros, seja lá o que isso for. Enfim, deixamos no meio do caminho uma série de manifestações artísticas autênticas e únicas, manifestações capazes de compilar toda a diversidade desse país. Um verdadeiro caldeirão cultural em franca ebulição prestes a explodir, rompendo, assim, as barreiras brancas europeizantes e limitadoras da criatividade da parcela da população que ainda está excluída do acesso à “Cultura”, sim a Cultura de fato, com maiúscula, reconhecida e respeitada, parcela essa que, atendendo a seu lado humano – por mais que tentem tirar isso delas – criam e recriam sua própria arte, sua própria história pintada com as cores fortes exclusão.
Atualmente temos uma nova Geni na música brasileira, na verdade não é tão nova assim, a novidade está na atitude das Genis desse gênero, falo do funk carioca, que não é mais o funk autêntico, aquele já devidamente endossado pela intelectualidade branca, mas sim um estilo novo, fruto da influência de vários estilos da música negra que encontraram um cenário de questionamentos dos lugares sociais destinados (ou impostos) a homens e mulheres que levaram a mudanças comportamentais retratadas em suas letras. As guerreiras do funk, ou melhor, as cachorras, as tchutchucas, glamourosas, popozudas, etc levantaram-se em resposta a todos esses rótulos dados por homens, mas ao invés de negá-los estão usando todos eles, o que deveria ofender tornou-se quase um troféu para premiar a conquista de sua sexualidade, de sua independência, de seu direito de ser, não como os homens, mas de simplesmente ser.
É claro que não posso dizer que a intenção de todas as funkeiras seja começar um movimento em prol da emancipação feminina, porém as letras, fortes demais para ouvidos delicados e cristãos, não deixam dúvidas do desejo dessas mulheres de responder à altura os homens que as rotulavam e dividiam todas em fiéis e lanchinho, ou seja, se não é a esposa e mãe é a aventura de uma noite só. E novamente as mulheres estavam sendo definidas e explicadas por homens. Um dos primeiros gritos em resposta a essa atitude foi “É minha! É minha! A porra da buceta é minha!”, Tati Quebra Barraco, foi uma das precursoras, hoje há um número razoável de mulheres que não têm problema em discutir e reivindicar sua sexualidade em suas letras.

A ascensão das funkeiras levou a mudanças na estrutura dos bailes, os desafios tão comuns nos bailes Black entre os MC’s e os B. Boys passaram a ter como tema questões de gênero voltadas, principalmente, para o sexo e os relacionamentos entre homens e mulheres que envolvam penetração. Quem já foi a um show de funk certamente divertiu-se muito com os debates calorosos travados entre funkeiros e funkeiras em pleno palco. Questões sobre as quais a academia se debruça e se debate há séculos, são discutidas com a simplicidade de quem vive essa realidade e não apenas a lê em bibliotecas climatizadas. Mas no fim das contas a turminha da biblioteca e a da favela tem muito em comum, talvez os laços que nos une como seres sociais se manifestam na arte e o resultado é uma profusão de leituras e apreciações variadas do mesmo tema.
No momento uma letra chamou minha atenção, na verdade não é de hoje que admiro o trabalho das funkeiras cariocas, aqui quero falar da última do grupo Juliana e as Fogosas “é só um pente é só um lance”, a letra me chamou a atenção não apenas pela atitude desinibida, independente e indignada de mulheres que assumiram o desejo de ter relacionamentos até então permitidos apenas a homens, relacionamentos de uma única noite, apenas sexo, o que não significa que elas sejam, queiram ou precisem ser prostitutas são apenas mulheres que gostam de sexo, mas dispensam o romance, a despeito dos estereótipos das moças casadoiras. Elas entenderam bem a lição do grupo Os Havaianos de que “traição é traição, romance é romance, amor é amor e o lance é o lance” e estenderam seus sentidos para a discussão da sexualidade feminina, bem ao estilo do funk carioca.

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